A palavra mais bela – Adolfo Simões Muller
Fui ver ao dicionário de sinónimos
A palavra mais bela sem igual
Perfeita como a nave dos Jerónimos…
E o dicionário disse-me NATAL.
Perguntei aos poetas que releio:
Gabriela, Régio, Goethe, Poe, Quental,
Lorca, Olegário… e a resposta veio:
Christmas… Noel… Natividad…Natal…
Interroguei o firmamento todo!
Cobras, formigas, pássaros, chacal!
O aço em chispa, o «pipe-line», o lodo!
E a voz das coisas respondeu NATAL.
Cânticos, sinos, lágrimas e versos:
Um N, um A, um T, um A, um L…
Perguntei a mim próprio e fiquei mudo…
Qual a mais bela das palavras, qual?
Para que perguntar se tudo, tudo,
Diz Natal, diz Natal, e diz Natal?!
António Nobre
A noite de Natal. Em meu país, agora,
O que não vai até ao romper do dia, a aurora!
As mesas de jantar na cidade e na aldeia,
À luz das velas, ou à luz duma candeia,
Entre risadas de crianças e cristais
(De que me chegam até mim só ais, só ais),
Dois milhões de almas e outros tantos corações,
Pondo de parte ódios, torturas, aflições,
Que o mel suaviza e faz adormecer o vinho:
São todas em redor de uma toalha de linho!
Vasco Graça Moura
espero que me calhe aquela fava
que é costume meter no bolo-rei:
quer dizer que o comi, que o partilhei
no natal com quem mais o partilhava
numa ordem das coisas cuja lei
de afetos e memória em nós se grava
nalgum lugar da alma e que destrava
tanta coisa sumida que, bem sei,
pela sua presença cristaliza
saudade e alegria em sons e brilhos,
sabores, cores, luzes, estribilhos…
e até por quem nos falta então se irisa
na mais pobre semente a intensa dança
de tempo adulto e tempo de criança.